Os livros virão ter a minha casa
Pelo nocturno vale
Pelos caminhos breves
Pelas sendas de azul
Pelas florestas ao longe
Os livros virão ter junto de mim.
Abro-os numa página
Uma página ao acaso
Lá dentro os teus olhos
Vão olhar-me de frente
Uma página adiante
Ou duas para trás
Hão de ter teus cabelos
Enrolando nos meus.
Uma página em branco
É a tua boca agreste
Como num sobressalto.
Os livros virão ter a minha casa
Mas em cada livro aberto
Em cada letra lida
És sempre tu que estás
Tal como em cada casa
Em cada rua à chuva
Cada montra olhada
Cada dia a dia
É teu corpo que sonho
Teu olhar magoado
Tua voz que cantava
A linha dos teus joelhos
Sobrepondo-se ao mar.
E nesses livros todos
Que me enchem as estantes
Nas suas gravuras secas
Suas letras esguias
Nas palavras que formam
O idioma é só um
A frase diz o mesmo
Só tu saberias
Traduzi-las para mim.
Os livros virão ter a minha casa
De uma qualquer maneira
Talvez pelo correio
Ou por alguém que os traga
Mas eu não saberei lê-los
Nem os seus dizeres se voltam
Para os meus olhos cegos
Desde que tu partiste.
Mas os livros ficarão
Para sempre guardados
Nesse lugar a que chamo
A minha casa.
in "Hotel Spleen"Bernardo Pinto de Almeida