LETRAS que geram palavras PALAVRAS que criam frases FRASES que dão sentido à Vida



Homens que são como lugares


Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens sem fuso horário
Homens agitados sem bússola onde repousem

Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas

Homens que são como a negação das estratégias
Que são como os esconderijos dos contrabandistas
Homens encarcerados abrindo-se com facas

Homens que são como danos irreparáveis
Homens que são sobreviventes vivos
Homens que são como sítios desviados
Do lugar

Daniel Faria
In Homens que são como lugares mal situados, Fundação Manuel Leão


Eleições legislativas


Porque hoje é dia de eleições a equipa de informação da rádio XL-FM faz uma emissão especial, pelo que não se realiza o Dose Dupla.

Já agora, e porque hoje é dia de eleições, uma pequena reflexão.
Assistimos a uma das mais pobres campanhas eleitorais desta curta (nova) democracia. O debate ideológico é algo que parece já não fazer sentido e as diferenças de programas, a existir, esbatem-se nos slogans partidários concebidos por alguma agência de publicidade perita em vender detergentes para a roupa.
Não quero, porque acho não ser este o espaço próprio, aprofundar o desalento que sinto em viver este período sombrio da política nacional, mas ao vencedor relembro uma citação muito dita, mas raramente escutada:

"Senhor, falta cumprir-se Portugal!"


Os Animais Carnívoros


Dava pelo nome muito estrangeiro de Amor, era preciso chamá-lo

sem voz - difundia uma colorida multiplicação de mãos, e aparecia

depois todo nu escutando-se a si mesmo, e fazia de estátua durante um

parque inteiro, de repente voltava-se e acontecera um crime, os jornais

diziam, ele vinha em estado completo de fotografia embriagada, desco-

bria-se sangue, a vítima caminhava com uma pêra na mão, a boca estava

impressa na doçura intransponível da pêra, e depois já se não sabia o

que fazer, ele era belo muito, daquela espécie de beleza repentina e

urgente, inspirava a mais terrível acção do louvor, mas vinha comer às

nossas mãos, e bastava que tivéssemos muito silêncio para isso, e então

os dias cruzavam-se uns pelos outros e no meio habitava uma montanha

intensa, e mais tarde às noites trocavam-se e no meio o que existia agora

era uma plantação de espelhos, o Amor aparecia e desaparecia em todos

eles, e tínhamos de ficar imóveis e sem compreender, porque ele era

uma criança assassina e andava pela terra com as suas camisas brancas

abertas, as suas camisas negras e vermelhas todas desabotoadas.



Herberto Helder
Poesia Toda
1979
Assírio & Alvim


ESPLANADA


Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,

agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.

O café agora é um banco, tu professora do liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.


Manuel António Pina
In Poesia Reunida, Assírio & Alvim, 2001.




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