LETRAS que geram palavras PALAVRAS que criam frases FRASES que dão sentido à Vida



Amigo


Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra amigo!

Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.

Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

Amigo (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!

Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.

Amigo é a solidão derrotada!

Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!


Alexandre O'Neill, No Reino da Dinamarca


P.S. O poema de hoje e dedicado ao Amigo e Companheiro do Dose Dupla Antonio Albuquerque


Um tributo a Ian Curtis


Para assinalar o 25º aniversário da morte de Ian Curtis recupero esta visão de
"Love Will Tear Us Apart"


Fica aqui perto. Da esquerda para a direita, a imagem, sem legenda, lê-se. Perto, lê-se demorada, e íntima: é a figura de um amante.
Banham os dez dedos das mãos quatrocentas mil sílabas, e em tudo tocam, agora que o corpo se deixou de encontrar, se deixou procurar. Procura.
As noites nunca são tão escuras quando os homens conseguem esquecer tudo o que
aprenderam, faltar a tudo o que prometeram, trair tudo quanto acreditaram, só pelo
primeiro cetim de um beijo, nesse sabor doido de boca. Depois, os amantes partem sempre, deixando, sem vida, tudo aquilo que amaram. Partem sempre.
E o que fica, fica perto, dói, não se separa ou atenua - adoece simplesmente, ensinando a quem sente, o prazer terrivel da mágoa, a ininterrupta saudade do que nem sequer foi alegria - uma espécie, enfim, de amor. Numa espécie de corpo que ficou sozinho.

por Miguel Esteves Cardoso (outro génio, felizmente vivo)
in ESCRÍTICA POP, p. 345, Assírio e Alvim


Como sugestão para os mais curiosos sobre a grande veia criadora de Ian Curtis, recomendo a consulta de http://www.iancurtis.org/


O Portugal futuro


O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país e
chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro

de Ruy Belo
in "Os poemas da minha vida", Mário Soares
Edições Público, 2005


Poema do fecho éclair


Filipe II
tinha um colar de oiro
tinha um colar de oiro
com pedras rubis.
Cingia a cintura
com cinto de coiro,
com fivela de oiro, olho de perdiz

Comia num prato de
prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.
O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.

Andava nas salas
forradas de Arrás,
com panos por cima,
pela frente e por trás.
Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos.

Dormia na cama
de prata maciça
com dossel de lhama
de franja roliça.
Na mesa do canto
vermelho damasco
a tíbia de um santo
guardada num frasco.

Foi dono da terra,
foi senhor do mundo,
nada lhe faltava,
Filipe Segundo.
Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safira, topázios,
rubis, ametistas.

Tinha tudo, tudo
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.
Um homem tão grande
tem tudo o que quer.
O que ele não tinha
era um fecho éclair.
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Nota: Filipe II teria de viver até aos finais do Séc. XIX para poder ter o seu fecho éclair


Carlos Mendes : Poema do fecho éclair
Música: José Niza
Letra: António Gedeão
Boletim Dep. Química-helium.fct.unl.pt


O que vêem os teus olhos?


a criança tirou um espelho de dentro do seu cestinho e perguntou-lhe onde estou?o espelho mostrou-lhe uma nuvem a encolher-se para se ver ao espelho e depois um torrão de terra, ressequido da falta de água, e a criança percebeu que depois do último sono todos os lugares da terra eram o mesmo lugar.


o céu começou a escurecer e a deixar cair muito gelo. todas as pedras ficaram brancas.o limão estava roxo, do frio.quando o inverno aparece, é preciso vestir a saia pura de lã.
a criança contou vinte e três carneirinhos, cobertos de lã macia, para sentir menos frio a lembrar-se da mãe a tricotar umas botas de dormir cor de rosa bebé.
onde está o rosto da mãe?o rosto da mãe está no universo e está também num cestinho com violetas.



as sandálias escorregavam nas pedras cobertas de lodo seco. dantes a ilha enchia-se de conchinhas na maré vazia, agora a lua está triste porque não há marés
a voz da mãe é um segredo que está dentro de um búzio cor de pérola
a criança encostou o búzio ao ouvido e não conseguiu saber se a voz da mãe estava triste ou contente
uma criança, um limão e uns sapatos não podem ir muito longe, por isso quase não tinham mudado de lugar.


se o fundo do mar tivesse um furinhoa água ia para o fundo da terrauma ilha sem mar à volta deixa de ser uma ilha

agora o vestido mudou de cormudar de cor não é ser outro vestidotambém não é ser o mesmo vestido com outra cor

a criança vestiu o vestido de algas alaranjadas e deu a mão ao limão para que nenhum dos dois tropeçasse nas rochas ainda escorregadias, cobertas de limos que lembravam o mar.

de Isabel Aguiar Barcelos


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